NOTA DE REPÚDIO

 

NOTA DE REPÚDIO

O Comitê Estadual de Gestão Colegiada da Rede de Cuidado e de Proteção Social da Criança e do Adolescente vítimas ou testemunhas de violência, Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual, Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente e a Rede ECPAT Brasil REPUDIAM veementemente a conduta da juíza, titular da 3ª Vara da Infância de Porto Nacional no caso da adolescente que foi submetida a uma audiência de Depoimento Especial, realizada no dia 20/03/2024, mesmo após ter sido ouvida em outubro de 2023 pela 2ª Vara do Juízo Criminal da referida Comarca.

A magistrada ignorou que a adolescente já havia sido vítima de trauma em episódio anterior e estava em tratamento psicológico e medicamentoso e ainda assim insistiu na realização da audiência, mesmo havendo manifestações prévias em sentido contrário, formalizadas nos autos pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público que foram analisadas somente em audiência. 

A hipótese de realização da mencionada audiência causou à adolescente sofrimento desnecessário e revitimização. A juíza ignorou o estado de saúde da adolescente e da mãe, a qual sofreu crise de ansiedade dentro da sala de audiência antes desta iniciar, tendo que se retirar do recinto. Apesar de não realizado o depoimento especial em razão de falha técnica do equipamento, foi determinada a redesignação da audiência para data futura, sob a alegação de que o sofrimento da mãe era duvidoso, sem qualquer fundamentação para essa conclusão, o que demonstra  falta de conhecimento do marco legal e empatia da magistrada com a situação da adolescente e de sua família. 

Consideramos que as ações da juíza configuram grave violência institucional, tipificada na a Lei 14.321, de 31 de março de 2022, pois violou os princípios da proteção integral, da prioridade absoluta, do melhor interesse da adolescente e da intervenção mínima, conforme a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, Lei 8.069/90- ECA, Lei 13.431/17 e o Decreto 8.603/18.  

 A prática adotada pela magistrada cristaliza a violência institucional, desrespeita direitos historicamente conquistados e coloca a criança no lugar de objeto sedimentando o adultocentrismo e nada contribui para romper com o ciclo vicioso impregnado nas  práticas institucionais que submetem crianças e adolescentes a interrogatórios e inquirições impositivos, repetitivos e desnecessários que só agravam o estresse pós-traumático e impactam à saúde mental. 

Assim, reafirmamos que a criança e o adolescente devem ser escutados apenas uma vez, se ela assim desejar, priorizando a escuta dos pais e ou responsáveis legais. O Depoimento Especial deve primar pela não revitimização e pelos limites etários e psicológicos de desenvolvimento da criança ou do adolescente. A autoridade judiciária deve avaliar se é indispensável a oitiva da criança ou do adolescente, consideradas as demais provas existentes, de forma a preservar sua saúde física e mental e seu desenvolvimento moral, intelectual e social e que a criança ou o adolescente devem ser respeitados em sua iniciativa de não falar sobre a violência sofrida.

Reiteramos nosso compromisso com a defesa dos direitos da criança e do adolescente e contra a violência institucional e no caso em particular, REPUDIAMOS a determinação da referida magistrada em realizar a coleta de novo Depoimento Especial da adolescente e recomendamos que  seja comunicado imediatamente a adolescente e sua família o cancelamento de qualquer procedimento de oitiva da adolescente.

Recomendamos ainda que sejam adotadas providências correicionais para apurar o crime de violência institucional cometido pela juíza e ao tempo em que requeremos a criação de uma matriz intersetorial de capacitação permanente dos magistrados para o adequado exercício da função no sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente, vítima ou testemunha de violências. 

Palmas, 29 de março de 2024.

Comitê Estadual de Gestão Colegiada da Rede de Cuidado e de Proteção Social da Criança e do Adolescente vítimas ou testemunhas de violência.
Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual de Criança e de Adolescente.
Rede ECPAT Brasil
Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente - ANCED.